“(...) Notei ainda que as pessoas mais
sábias nem sempre têm o que comer e que as mais inteligentes nem sempre
ficam ricas. Notei também que as pessoas mais capazes nem sempre
alcançam altas posições. Tudo depende da sorte e da ocasião” (Ec 9.11b).
Gilson Chagas, escritor e professor universitário em Brasília-DF
Em 1973, a publicação de meu primeiro livro me propiciava, entre outras alegrias, a chance de conhecer, em pessoa, alguns dos expoentes da imprensa e letras do meu estado natal, o Piauí. Com o encantamento do quase adolescente que se vê diante de seus mitos, pude, enfim, entrevistar-me, num plano favorável, com Carlos Said – o legendário “magro de aço” - que se tornara padrinho e divulgador de minhas colaborações ao seu programa “Poesias do Piauí”, na “Rádio Pioneira de Teresina”. Inestimável apoio recebi de Herculano Moraes, já poeta de renome e secretário de redação do jornal “O Estado”, concorrente de “O Dia” na liderança jornalística regional. Encontrei generosa acolhida em A. Tito Filho, ícone da cultura, emérito incentivador dos autores iniciantes e eterno presidente da Academia Piauiense de Letras. Conservo, ainda indeléveis, preciosas lições de Fontes Ibiapina, em nosso encontro de apresentação, na casa de seu irmão Pebinha, na cidade de Picos. Daquela primeira conversa que, ao lado do hoje destacado jurista e poeta Ozildo Barros, tive com o notável escritor, pincei a enfática afirmativa que ele ali fizera sobre Francisco Miguel de Moura. Este, a quem eu conhecia de Santo Antônio Lisboa e, à época, já com três livros na praça, era nome emergente na literatura do estado. Dentro de um contexto mais amplo, disse-nos Fontes Ibiapina, sem reserva: - “O livro de Chico Miguel, “Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho”, é tão bom quanto a própria obra por ele analisada”.
O veredicto de Fontes – doutor da lei e das letras - era apenas um
minirretrato de uma carreira em começo - alvissareiro por excelência. No
curso destas décadas subsequentes, a obra de Chico Miguel expandiu-se e
aperfeiçoou-se. Cresceu em número e profundidade; abriu-se para
variados gêneros; diversificou-se. Lançou ele até aqui (2012) 34
livros: 16 de poesias 4 romances, 3 volumes de contos, 2 volumes de
crônicas, 7 de crítica ou história literária, 1 biografia, 1 memorial,
sem contar opúsculos de crítica, depoimento e discursos. Além destes, há
milhares de artigos espalhados por jornais e revistas do Brasil e do
exterior. Como diria Zé da Luz, o poeta do absurdo, ele está na “Oropa,
França e Brasil”.
Pelo esmero e densidade dos textos em prosa ou verso e de sua militância
quase religiosa em favor da literatura, tem sido fartamente estudado e
saudado pela crítica qualificada; lido e aplaudido pelos núcleos seletos
aonde sua criação tem conseguido chegar Tornou-se, enfim, nesses anos,
referencial e fonte para pesquisas, dentro e fora do Piauí. É também
analista e prefaciador concorrido por autores novos e veteranos
Infelizmente, contudo, por fatores abstratos - cuja existência e efeitos
o bicho-homem - admita ou conteste - não pode controlar – a obra de
Chico Miguel não tem recebido tratamento justo do grande mercado
editorial brasileiro, quiçá, internacional. Juntam-se, por certo,
a esses “fatores incontroláveis”algumas causas visíveis, como os
históricos estigmas que, no curso dos séculos, operam e perduram contra
as regiões e unidades federativas de menor expressão socioeconômica, que
“a roda dos escarnecedores” (des)classifica como “longe demais das
capitais”. Esses crônicos preconceitos, absurdos mas palpáveis - por um
sistema perverso de transferência, acabam obscurecendo a arte produzida
em estados como o nosso e limitam os horizontes dos talentos que, pelos
vários motivos, neles permanecem. Raras foram até aqui as exceções que
conseguiram “escapar” a esse cerco.
O fato é que, embora muito bem difundido nos domínios regionais, o nome
de Chico Miguel, se não é exatamente inédito no restante do país – posto
ter o respeito de grupos específicos- ainda não alcançou os grandes
contingentes que consomem cultura além de suas habituais fronteiras.
Precisa ser (urgentemente) “descoberto”pelas editoras ditas “top”, para
ser “apresentado” à grande massa. Pois no segmento editorial que reina
no mercado imperam alguns enigmas e paradoxos. Exemplo: embora o livro
constitua a “matéria-prima” dessas empresas, a qualidade literária da
obra não garante sua seleção. E – pasme-se! – às vezes, atrapalha. Há
mais critérios e interesses entre o teto e o piso das engrenagens
humanas do que supõe nossa vã filosofia. E esses descompassos têm gerado
alguns mostrengos sociais. Exemplo disso é o JUQUINHA ASS (bumbum)
MUSIC, santo do pau oco que vem “surfando numa onda”, arrasta multidões,
fez escola e fortuna, virou celebridade. Enquanto isso, o genial Zé da
Silva, que atravessou a vida real “num rabo de foguete”, deixou
toneladas de grande ficção, mas nunca teve, nem terá um grama de
reconhecimento. Melhor “sorte”mereceram João Sebastião e Vicente. Um
músico, outro artista plástico. Ambos ouviram sonoros muxoxos dos
contemporâneos, tocaram em brancas nuvens suas vidas quadradas, mas
acabaram “consagrados” na posteridade.
Cabe, por fim, instar o empresariado do livro a abrir uma página de seu
catálogo para autores como Francisco Miguel de Moura, escritor de nome
simples, que é sinônimo de literatura no Piauí desde 1966. Este, o ano
de “AREIAS”, sua poesia de estreia. A bibliografia de Chico, criada em
padrões de excelência, teve, até aqui, seu potencial mercadológico
subutilizado em edições independentes e pequenas tiragens de programas
governamentais. Ela e ele aguardam apenas um “banho” de editora,
distribuição e mídia, para ocuparem, afinal, o patamar literário que
lhes é de direito.
Os leitores torcemos para que essa injustiça - que já está perpetrada –
não se perpetue. E, “para o bem de todos e felicidade geral da nação”,
que essa obra singular possa ter suas fronteiras rompidas, para
tornar-se, afinal, legitimamente possuída e plenamente desfrutada por
seus donos verdadeiros, a massa leitora desta geração.
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